Polícia e Metaverso: Uma associação necessária

Adequação entre o que se entende por segurança pública e os novos cenários virtuais se afigura cada dia mais necessária para garantia de direitos básicos

 

A você, pessoa que foi atraída a este texto, vou iniciar explicando de maneira simples o que se entende hoje por Metaverso. Em outubro de 2021, a empresa Facebook teve sua identificação alterada por Mark Zuckerberg, um de seus fundadores, e passou a se denominar “Meta”, como espécie de prenuncio às novas aspirações da Companhia que se traduzem na implementação de um ambiente virtual tão real que concorrerá com a realidade palpável que hoje conhecemos.

Basicamente, o Metaverso seria uma junção entre realidade virtual e realidade aumentada, estando englobada pelo contexto denominado como Web 3.0 (compilado entre realidade virtual, aumentada, internet das coisas, carteiras virtuais de criptoativos (blockchains), modelagens tridimensionais e muito mais.

E para você, que acha que tudo isto não passa de um grande devaneio coletivo, ou quem sabe deste humilde escritor, saiba que os planos por trás da concepção do Metaverso são audaciosos e já estão traçados: A empresa Meta possui o objetivo de que as pessoas passem a fazer tudo através do ambiente virtual, como trabalhar e ganhar remuneração, se relacionar, divertir, desenvolver habilidades… e a lista vai longe. Tudo isto para que a realidade virtual seja tida como a mais desejada pelas pessoas.

Tudo seria maravilhoso se parasse por ai. Ocorre que, assim como vemos em todas as áreas do comportamento humano, todo este universo virtual que será disponibilizado para as pessoas do Brasil em breve através de aplicativos como o Horizon Worlds, acessível no momento apenas em outros países, também irá demandar que haja uma presença daqueles que existem para assegurar segurança e exigir o cumprimento de leis pelas pessoas: Os policiais.

Eu lhe convido a aprofundar no tema comigo a partir de agora. Você sabia que a pandemia do coronavírus teve como um de seus indiretos efeitos um aumento vertiginoso na criminalidade em âmbito virtual? Explico. Em razão do fato de que as pessoas tiveram sua circulação restringida em decorrência da necessidade de observância às questões sanitárias, necessárias para frear a disseminação do vírus que, infelizmente, vitimou milhares de pessoas ao redor do planeta, criminosos da mais variada estirpe passaram a modificar sua forma de atuação, tendo encontrado nos aplicativos falsos para celulares, nos golpes utilizando perfis falsos nas redes sociais, e nas falhas de segurança de informações sensíveis um reduto para a prática de novos crimes.

Pense: Há alguns anos, a criminalidade era notada nas ruas, através de furtos diversos, roubos a pedestre, roubos a estabelecimentos comerciais, bancários, fraudes utilizando títulos executivos, bilhetes físicos, dentre outras formas. Hoje, a sensação de insegurança é sentida, também, quiçá mais que no plano físico, no ambiente virtual, ao passo em que a desconfiança impera sob os aplicativos baixados, nos perfis das redes sociais, nas mensagens recebidas através dos aplicativos de conversação e muitas outras formas.

Foi descoberto, pela criminalidade, um ambiente “confortável” para a prática de delitos, que agora podem ser cometidos de qualquer lugar, seja dentro de uma casa a um estabelecimento prisional, por exemplo. Exemplo disso é o famoso golpe do Pix, pelo qual um criminoso usa de um celular, conexão de internet, e entra em contato com alguém se fazendo passar por algum parente ou conhecido, de modo a pedir dinheiro emprestado sob algum pretexto (geralmente razoável, pois o criminoso já fez o “estudo” da vítima previamente). É fato: O criminoso, hoje, não se expõe como antes. A própria investigação criminal precisa estar atenta a estar nuances e constantemente se reinventar para acompanhar o ritmo das evoluções no âmbito dos delitos em meio virtual.

Prova de que essa evolução na marcha investigativa já ocorre são os sequestros judiciais de criptoativos (que nada mais são do que bens virtuais) em fase judicial, e a recente Operação 404, uma colaboração da polícia brasileira com a empresa americana antipirataria Nagra, deflagrada em ambiente virtual e que resultou em buscas no Metaverso¹ e cumprimento de mandados em sites e aplicativos.

Logo, não se pode olvidar que, dentro de um ambiente completamente virtual como o Metaverso, teremos todas as condições necessárias para que a criminalidade também se faça presente. Negar este fato é como tapar o sol com a peneira.

Para comprovar este problema que ora se visa a prevenir, podemos citar recente fato ocorrido com a psicoterapeuta britânica Nina Jane Patel, de 43 anos, que teve experiência traumática no Metaverso a ponto de afetar sua percepção da realidade de maneira profunda. Nina, após criar um avatar (perfil na rede virtual) replicando suas características físicas reais, ingressou na plataforma antes citada “Horizon Venues” e foi imediatamente assediada por quatro avatares do sexo masculino de maneira ostensiva e violenta, conforme relatou em reportagem do UOL²:

“Eles chegaram muito perto de mim, no início me assediando verbalmente. Depois, começaram a me assediar sexualmente, dizendo todos os tipos de insinuações sexuais possíveis. Então, apalparam e tocaram meu avatar de forma inadequada e passaram a me seguir. Eu dizia: ‘parem, por favor, parem’. Mas eles continuaram. Eles me acusaram de querer que eles me assediassem sexualmente, dizendo que essa era a razão pela qual entrei na plataforma e coisas como: ‘não finja que não está amando’. Aquilo estava cada vez mais surreal e entrei em pânico. Tudo isso durou cerca de 3 minutos. Foi muito agressivo, perturbador e bastante traumático. O que aconteceu comigo foi real.”

De fato, se vê que os limites entre o Metaverso e a realidade são tênues e os efeitos de experiências traumáticas podem ser igualmente perturbadores e atravessar as barreiras do virtual para o plano físico:

“Essa tecnologia é projetada para replicar a realidade em termos de imersão, presença e corporificação. Essas são técnicas psicológicas para que meu cérebro aceite o mundo virtual como real, e é isso que torna o metaverso tão atraente. O avanço foi tanto que as linhas entre o mundo real e o virtual ficaram borradas.”

No caso em apreço, a violência sofrida por Nina Patel no ambiente virtual não recebeu desdobramentos criminais no mundo real, pois a vítima não foi capaz de contar com as ferramentas disponibilizadas pela empresa Meta para denunciar os agressores e, assim, identificá-los.

Após este caso reflita. Pense em quantos delitos teriam seu cometimento facilitado pelo ambiente virtual? Crimes patrimoniais, contra a honra e contra a dignidade sexual, tráfico de informações privilegiadas, entre tantos outros que a imaginação ainda não consegue atingir.

Isto tudo demonstra o despreparo geral que ainda existe para com este ambiente virtual que se almeja ser tão promissor e atraente pelos seus idealizadores. Não parece congruente que não exista uma espécie de policiamento ostensivo e também investigações no campo virtual de maneira a proteger a população que eventualmente migrará para esta realidade. Desde os primórdios da humanidade, onde existiram pessoas, se afiguraram presentes os garantidores do cumprimento da lei e da ordem.

Chegando ao fim deste texto, diversos questionamentos a partir de tudo que foi informado começam a efervecer e ainda necessitam ser discutidos, tais como:

  • Deveria existir policiamento ostensivo e delegacias de policia para registros de ocorrência junto ao ambiente virtual?
  • Em caso positivo ao quesito anterior, como seria a atuação policial nestes casos: Através de avatares (perfis criados no ambiente virtual para representação das pessoas/usuários) ou por meio de atuação juntamente das empresas idealizadoras, como a Meta, moderando e aplicando sanções aos perfis no terreno virtual?
  • Atos criminosos cometidos no plano virtual seriam punidos no plano físico através de mudanças e inserções na legislação vigente ou a realidade virtual necessitará ter suas próprias legislações e órgãos julgadores?

Infelizmente, ainda contamos com muitas perguntas sem resposta. Fato é que pensar sobre estes aspectos nos deixará passos à frente de criminosos que estão cada dia mais organizados. Há alguns anos, por exemplo, seria impensável imaginar que seu dinheiro, que hoje não mais fica embaixo do colchão, poderia ser subtraído de sua conta virtual sem que você topasse diretamente com algum criminoso. Logo, existirá segurança plena na realidade virtual que se pretende implementar por empresas sérias como a antiga Facebook? A verdade é que se estamos com dúvidas, no fundo já temos as respostas que precisamos, pois a certeza não deixa brecha para questionamentos.

Referências:

https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/operacao-404-chegaa4a-edicao-com-buscas-no-metaverso-suspensao-de-4-canaise90-videos-retirados-do-ar

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2022/06/03/estupro-no-metaversooaconteceu-comigo-foi-real.htm

1 – https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/operacao-404-chegaa4a-edicao-com-buscas-no-metaverso-suspensao-de-4-canaise90-videos-retirados-do-ar

2 – https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2022/06/03/estupro-no-metaversooaconteceu-comigo-foi-real.htm