Vamos falar sobre pornografia infantil assim como falamos de outros crimes virtuais?

 

*Por Augusto Schmoisman

 

 

O crescente número de ataques cibernéticos registrado nos últimos anos tem gerado prejuízos e preocupações em todo o mundo. Mas, há uma outra questão relacionada a crimes virtuais e que vai muito além do roubo e vazamento de dados, podendo trazer prejuízos incalculáveis para a sociedade e para as pessoas envolvidas: o abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes praticados na Internet. O assunto é delicado, complexo e, para a maior parte das pessoas, difícil de ser discutido, o que é compreensível. Afinal, não é tão simples aceitar que existam situações como essas acontecendo a todo momento.

Porém, falar sobre isso e até sobre a pornografia infantil é um tabu que precisa ser encarado. Atualmente, as crianças têm maior capacidade de aprender e se familiarizar com o mundo digital, tornando necessárias conversas, alertas e ações mais efetivas e recorrentes por parte de toda a sociedade. Especialmente neste período de pandemia em que as pessoas, inclusive jovens e crianças, têm consumido ainda mais conteúdos online – segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o uso da internet no Brasil durante a quarentena cresceu 40%, e 24 milhões de crianças e adolescentes entre 9 a 17 anos são usuárias, de acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil.

Como especialista que atua colaborando com diversas organizações em muitos países para combater este tipo de crime, posso afirmar que lidar com essas investigações é algo muito difícil e, mesmo com os anos de experiência, capturar esses criminosos nos traz um sentimento de vitória, mas também uma sensação de fracasso. Mesmo conseguindo identificar quadrilhas, o que resulta na prisão dos autores desses abusos, os danos pós acontecimentos são, muitas vezes, irreparáveis, tanto para as vítimas, quanto para seus familiares.

Muitas pessoas não sabem, mas o cyber grooming é um método amplamente utilizado por pedófilos para iniciar conversas e contatos nas redes com meninos, meninas e adolescentes e consiste em chantagens em troca de imagens e vídeos de conteúdo sexual. Esse material não é exposto apenas na Deep Web, onde mais de 4% dos sites são pornográficos. Existem outros links com materiais de teor violento e sexual. Para se ter uma ideia, o CEO da Apple, Tim Cook, afirmou que não deixa seu sobrinho entrar nas redes sociais. Bill Gates proibiu o uso de celulares até a adolescência dos filhos. Já Steve Jobs, co-fundador da Apple, não permitia o uso de iPads. Quando várias das principais referências de uma indústria se recusam a dar aos próprios filhos o produto que fabricam, nossos alarmes devem soar bem alto.

Não estou dizendo que a atitude por parte dos pais deve seguir esse caminho mais rígido da proibição, mas, como o acesso à Internet por crianças e adolescentes é predominantemente domiciliar, ainda de acordo com dados da TIC Kids Online Brasil, a mediação de pais e responsáveis deveria ser obrigatória, diária e minuciosa. Normalmente ensinamos nossos filhos a não falar ou aceitar nada de estranhos. Mas, na internet, essa regra é muito mais importante, devido à facilidade que existe para assumir identidades falsas. Esses criminosos são adultos que assumem uma identidade infantil ou adolescente com o objetivo de abusar ou extorquir. É importante saber que eles aliciam as crianças por meses, até conquistar a confiança e conseguir fotos e vídeos de conotação sexual. Na “vida online”, as pessoas se permitem ser mais agressivas do que no mundo real. Com isso, os riscos de serem intimidados ou agredidos aumentam consideravelmente.

Antes de deixarmos as crianças se moverem sozinhas, devemos prepará-las adequadamente. Por isso, é na prevenção que precisamos atuar. Eu sei que indicar a instalação de sistemas de segurança nos aparelhos móveis dos menores de idade é algo incabível e financeiramente inacessível para muitas famílias. Mas, há atitudes mais simples que podem, e devem, ser tomadas.

É preciso averiguar os perfis nas redes sociais, checar com quem estão conversando e, se necessário, restringir acessos e limitar o tempo de consumo diário. Acompanhe a rotina das crianças, repare nas mudanças de comportamento, elas devem estar cientes dos riscos e compreender que sua privacidade pessoal é um direito fundamental. Alerte sobre comportamentos inadequados e deixe um canal aberto para que comuniquem aos pais e responsáveis sobre qualquer ocorrência. Volto a afirmar que abuso e exploração sexual infantil deixam marcas irreparáveis e, em tempos de Internet, eles podem ocorrer em qualquer lugar, a qualquer hora, basta estar conectado.

 

* Augusto Schmoisman é especialista em defesa cibernética corporativa, militar, aeroespacial e CEO da Citadel Brasil.