Impacto da meteorologia na atual crise hídrica

O Brasil está enfrentando mais uma crise hídrica ou ainda estamos na mesma crise que começou em 2012? O fato é que o País, com extensão continental, com abundância de vento, água e sol e com grande potencial para geração renovável, está com problemas. Antes de explicar a relação da meteorologia com o tema, é importante ressaltar que a matriz elétrica brasileira é alimentada principalmente por fontes renováveis (83%), um ponto extremamente positivo quando comparado com a média mundial que é de 25% (BEN, 2020). No Brasil, estamos acompanhando um grande crescimento da produção de energia proveniente de fontes eólicas, a qual ultrapassou recentemente o marco de 18 GW de capacidade instalada, equivalente a 10,3% da matriz elétrica brasileira. Ainda assim, as hidráulicas representam a maior fonte de geração de energia no país, tal que alterações no volume ou padrões irregulares de precipitação afetam todo o setor de energia.

Principais Sistemas Climáticos e a crise hídrica

Apesar do Brasil ser um país com enorme extensão continental, o grande regulador dos padrões meteorológicos que influenciam no continente são os oceanos, que interagem com a atmosfera e regulam o balanço de energia através da redistribuição do vento e da água. O padrão de precipitação de uma região pode ser alterado por diversos sistemas meteorológicos e climáticos, que possuem diferentes resoluções espaciais e temporais. Um dos sistemas climáticos mais conhecidos e monitorados é o El Niño – Oscilação Sul.

O El Niño é um dos sistemas climáticos que mais recebe atenção da mídia e da comunidade científica, por representar cerca de 40% da variabilidade climática no Brasil, principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste (GRIMM et al., 1998; KAYANO, ANDREOLI, 2016). No entanto, outros sistemas também são capazes de alterar o padrão de precipitação nas bacias de geração hídrica, especialmente quando estes sistemas de menor influência atuam simultaneamente. Alguns exemplos destes sistemas são: Oscilação Antártica (OA) ou Modo Anular Sul (SAM), Oscilação de Madden Julian (OMJ), Oscilação Quase Bienal (QBO) entre outras.

Quer saber mais sobre o El Niño? Acesso o Especial mensal de Dezembro.

A atual crise hídrica possui diversas semelhanças com a crise que enfrentamos nos anos de 2014 e 2015. Porém, para compreender o impacto da meteorologia na crise atual, é necessário um maior entendimento dos sistemas citados anteriormente.

A Oscilação Antártica, também conhecida como Modo Anular Sul, é um fenômeno de variabilidade climática que domina a circulação extratropical. Essa circulação está associada a um cinturão de baixa pressão, que se concentra próximo à Antártica em sua fase positiva e se expande até o sul da América do Sul em sua fase negativa (Figura 1). O processo de expansão ou retração do cinturão de baixa pressão normalmente dura de semanas a meses.

Figura 1: Primeira EOF de anomalia mensal de altura geopotencial em 700 hPa (1980-2006) abril (esquerda) e julho (direita) representando as fases positiva e negativa, respectivamente. Adaptado de Vasconcellos (2012).

De forma geral, a fase positiva reduz o avanço dos sistemas frontais pela América do Sul, diminuindo o volume de precipitação no centro-sul brasileiro. Enquanto a fase negativa permite que estes sistemas transientes adentrem o continente, favorecendo positivamente a geração hídrica e manutenção dos reservatórios.

No índice da oscilação Antártica, observa-se o predomínio da fase positiva desde os últimos meses de 2020, padrão que também foi observado nos anos de 2015 e 2016 (Figura 2).

Figura 2: Média móvel trimestral do Índice AAO. Fonte NOAA CPC.

Por outro lado, a Oscilação de Madden Julian (OMJ) é uma oscilação intrasazonal que se propaga através da faixa tropical do globo, com ciclo em torno de 30 a 60 dias. Esse pulso de convecção promove o aumento/diminuição da precipitação regional. Nas fases 4 e 5 (1 e 8) a oscilação é desfavorável (favorável) à precipitação no Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil (DE SOUZA, AMBRIZZI, 2006).

No ano de 2020 a configuração de um bloqueio atmosférico persistente promoveu recordes de temperaturas e baixos volumes pluviométricos entre setembro e outubro no Brasil, principalmente no Sudeste, influenciado pela OMJ (Figura 3). No verão de 2013 a 2014, a OMJ também ficou estacionada por muito tempo nas fases 5 e 6, o que influenciou na presença de bloqueio atmosférico no Sudeste, deixando o tempo seco na região, e com temperaturas elevadas, condições que acarretaram o agravamento da crise hídrica.

Figura 3: Índice da Oscilação de Madden Julian de 16/09/2020 a 14/12/2020.

Ainda não há o entendimento por completo do porquê a OMJ persistiu por tanto tempo nas fases 5 e 6 (desfavorável a precipitação) em 2020 e em 2013/2014. Uma das possíveis explicações é a influência da Oscilação Quase-Bienal (QBO), no qual a fase negativa da QBO é capaz de alterar a duração e intensidade das fases da OMJ.

Na crise hídrica de 2013/2014, foi no verão que o nível do sistema Cantareira (abastecimento humano) começou a ficar mais crítico. O ano de 2014 contou com vários meses com chuva abaixo da média, em 2015 os volumes de chuva apesar de acima da média (influenciados pelo El Niño) não foram suficientes para recuperar o volume dos reservatórios, uma vez que este se encontrava no volume morto. Além do impacto causado pelo consumo acima da média (MARENGO; ALVEZ, 2015)

De forma geral, a fase e posição destes sistemas climáticos, influenciaram também os níveis dos reservatórios de geração de energia e da energia natural afluente (ENA) na crise hídrica de 2014/2015 e estão impactando de forma negativa novamente nos anos de 2020/2021.

E por fim estamos na fase negativa da ODP (Oscilação Decadal do Pacífico; MANTUA; HARE, 2002), que é quando há a diminuição das temperaturas do Oceano Pacífico. A fase negativa da ODP é capaz de aumentar a incidência e intensidade de eventos de La Niña em a diminuição e enfraquecimento do El Niño. Para a fase positiva da ODP o impacto é observado principalmente no leste do Brasil de novembro a fevereiro, sobre o Norte e Noroeste da América do Sul durante março e abril. Enquanto a fase negativa apresenta impacto sobre o Nordeste março e abril (KAYANO, ANDREOLI, 2016).

Diante de todas os fenômenos analisados, a conclusão para a primeira questão: O Brasil está enfrentando mais uma crise hídrica ou ainda estamos na mesma crise que começou em 2012? é que sim, estamos na mesma crise hídrica, que teve momentos mais brandos e agora está na sua fase crítica novamente.

Qual a expectativa para os próximos meses?

Estamos praticamente no Inverno e nesta época do ano não se espera por chuva significativa para a região central do Brasil. Não há nenhum fenômeno meteorológico previsto que possa mudar este quadro. No Sul, ao contrário, apesar da pouca sazonalidade anual nas Bacias, é o período das melhores chuvas. A previsão ainda é de irregularidade na precipitação, mas em uma condição muito melhor do que o observado até o início de maio, quando as frentes frias praticamente não provocavam instabilidades sobre a Região. A boa notícia é que não há expectativa de atraso na entrada do próximo período úmido!

Referências Bibliográficas

DE SOUZA, Everaldo B.; AMBRIZZI, Tércio. Modulation of the intraseasonal rainfall over tropical Brazil by the Madden-Julian oscillation. International Journal of Climatology: A Journal of the Royal Meteorological Society, v. 26, n. 13, p. 1759-1776, 2006.

EPE [Empresa de Pesquisa Energética] Balanço Energético Nacional (BEN) 2018 Balanço Energético Nacional (BEN) 2018: Ano base 201 : Ano base 201 : Ano base 2017, 2018. Disponível em < https://ben.epe.gov.br>. Acesso em jun/2020.

GRIMM, Alice M.; FERRAZ, Simone ET; GOMES, Júlio. Precipitation anomalies in southern Brazil associated with El Niño and La Niña events. Journal of climate, v. 11, n. 11, p. 2863-2880, 1998.

KAYANO, Mary T.; ANDREOLI, Rita V. Relationships between rainfall anomalies over northeastern Brazil and the El Niño-Southern Oscillation. Journal of Geophysical Research: Atmospheres, v. 111, n. D13, 2006.

MANTUA, Nathan J.; HARE, Steven R. The Pacific decadal oscillation. Journal of oceanography, v. 58, n. 1, p. 35-44, 2002.

MARENGO, Jose Antonio; ALVES, Lincoln M. Crise hídrica em São Paulo em 2014: seca e desmatamento. GEOUSP Espaço e Tempo (Online), v. 19, n. 3, p. 485-494, 2015.

Sobre a Climatempo

Com solidez de 30 anos de mercado e fornecendo assessoria meteorológica de qualidade para segmentos estratégicos, a Climatempo é sinônimo de inovação. Foi a primeira empresa privada a oferecer análises customizadas para diversos setores do mercado, boletins informativos para meios de comunicação, canal 24 horas nas principais operadoras de TV por assinatura e posicionamento digital consolidado com website e aplicativos, que juntos somam 20 milhões de usuários mensais.

Em 2015, investiu na instalação do LABS Climatempo, no Parque Tecnológico de São José dos Campos (SP), que atua na pesquisa e desenvolvimento de soluções para tempo severo, energias renováveis (eólica e solar), hidrologia, comercialização e geração de energia, navegação interior, oceanografia e cidades inteligentes. Em 2019, a Climatempo passou a fazer parte do grupo norueguês StormGeo, líder global em inteligência meteorológica e soluções para suporte à decisão, e dois anos depois, em 2021, uniu-se à Somar Meteorologia, formando a maior companhia do setor na América do Sul. A fusão das duas empresas impulsiona a Climatempo a ser protagonista global de fornecimento de dados e soluções para os setores produtivos do Brasil e demais países da América Latina, com capacidade de oferecer informações precisas de forma mais ágil e robusta.

O Grupo Climatempo segue presidido pelo meteorologista Carlos Magno que, com mais de 35 anos de carreira, foi um dos primeiros comunicadores da profissão no país.